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Postagem em Destaque.

Saúde não tem preço, mas tem custos; e o custo é alto!

Antes de discorrer sobre o tema proposto, parece oportuno problematizar em busca do entendimento acerca do que seriam "preço" e...

O mundo e as doenças negligenciadas: quem negligencia o quê!?

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Símbolo universal de biossegurança
Vou introduzir essa temática me reportando ao tema Biossegurança, que é um segmento que integra o meu itinerário de formação profissional e com o qual lidei durante aproximadamente cinco anos quando gerenciei a área de qualidade e biossegurança do Laboratório Central de Saúde Pública de Sergipe (Lacen-SE). Naquela ocasião as palavras negligência, imperícia e imprudência faziam parte do meu repertório nas atividades de Educação Permanente / Educação Continuada que eu organizava e executava com os trabalhadores, objetivando reduzir o risco de acidentes nas unidades do Lacen-SE.

Quando se fala em biossegurança, seja no campo da saúde ou em qualquer outro segmento da atuação humana, não é possível admitir indivíduos negligentes, imperitos e imprudentes, sob pena de potencializar o risco de acidentes. Eu, particularmente, considero a negligência o mais danoso dos três comportamentos humanos porque o negligente é potencialmente capaz de agir com imprudência e/ou imperícia; senão vejamos:

Imprudência pode ser definida como sendo agir de forma precipitada, descomedida e sem moderação. As pessoas que trazem essa característica geralmente precisam de orientação, acompanhamento e reforço positivo.

Imperícia corresponde à falta de habilidade para a execução de determinado ato ou procedimento que exige conhecimento e destreza. Em situações normais, geralmente as pessoas têm consciência dessa condição e são colocadas em situação de perigo por outrem.

Negligência expressa deliberada falta de cuidado, desatenção, desleixo, falta de iniciativa, menosprezo, desdém, irresponsabilidade ao assumir um compromisso.

O motivo de tratar de biossegurança como preâmbulo deste artigo é para enfatizar o quanto a sociedade é permissiva a interesses econômicos e corporativos. Na minha opinião; é mais ou menos isso que ocorre ao não se admitir negligência no trato das questões de biossegurança e, por outro lado, admitir e permitir a utilização da expressão "Doenças Negligenciadas" para caracterizar agravos à saúde humana que podem ser renegados a um segundo plano porque a solução não desperta interesse da indústria farmacêutica e do mercado financeiro mundial. É como se o vocábulo negligência fosse passível de mais de um significado.

O mapa abaixo ilustra a distribuição global das doenças negligenciadas, cuja prevalência se dá abaixo da linha do equador e em condições de pobreza, o que contribui para a manutenção do quadro de desigualdade, uma vez que representam forte entrave ao desenvolvimento dos países. Para o Brasil, as mais relevantes são Doença de Chagas, Leishmaniose, Malária, Filariose, Hanseníase, Tuberculose, Gastroenterites virais, Esquistossomose, Paracocidiodimicose e outras micoses profundas.
O emprego do termo “doenças negligenciadas” é relativamente recente e foi originalmente proposto na década de 1970 por um programa da Fundação Rockefeller. Em 2001 a Organização não governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF) em documento denominado “Fatal Imbalance” propôs dividir as doenças em Globais, Negligenciadas e Mais Negligenciadas (MSF, 2001). Neste mesmo ano o Relatório da Comissão sobre Macroeconomia e Saúde da OMS (OMS, 2001) introduziu uma classificação similar, dividindo as doenças em Tipo I (equivalente às doenças globais dos MSF), Tipo II (Negligenciadas/MSF) e Tipo III (Mais Negligenciadas/MSF). Mas o termo "doenças negligenciadas" se consagrou e desde então tem sido utilizado para se referir a um conjunto de doenças causadas por agentes infecciosos e parasitários (vírus, bactérias, protozoários e helmintos) que são endêmicas em populações de baixa renda e, portanto, marginalizadas.
Há nesse artigo, porém, uma questão que ainda precisa ser aprofundada. Afinal; "quem negligencia o quê" na cadeia da produção da negligência em saúde? É fato que existem atos e atitudes praticados e desempenhados em diversos níveis de governo e sociedade que resultam na concretização do abandono de pessoas desafortunadas que são acometidas por doenças digamos de "pouco status social". Parece evidente que a sociedade mundial assume deliberadamente existirem doenças que podem receber atenção secundária. Não estão claros os motivos dessa decisão, mas parecem envolver interesses políticos e econômicos; o que é lamentável!
No século vinte e um, entretanto,  já se verifica o empenho de organismos internacionais  a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU) no combate a essas enfermidades designadas "doenças negligenciadas" que atingem particularmente as populações marginalizadas, mediante inclusão do seu controle nos objetivos da ONU para o milênio.
Quanto ao Brasil, sabe-se que em 2006 foi realizada a primeira oficina de prioridades em doenças negligenciadas e iniciado o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas no Brasil, no âmbito da parceria do MS com o MCT e Secretaria de Vigilância em Saúde. Por meio de dados epidemiológicos, demográficos e de impacto da doença, foram definidas, entre as doenças consideradas negligenciadas, sete prioridades de atuação que compõem o programa em doenças negligenciadas: dengue, doença de Chagas, leishmaniose, malária, esquistossomose, hanseníase e tuberculose. Parece evidente, porém, que embora necessárias as atividades de pesquisa não são suficientes para o controle das doenças negligenciadas. Abordagem sistêmica de gestão da inovação precisa ser desenvolvida e empreendida, de modo a gerar subsídios para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para que a política industrial em saúde seja fundamentada em bases sólidas de pesquisa e formação de recursos humanos em sintonia com a sociedade.


Morte celular programada: Eu, matador de mim!?

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"Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia". Esta frase, cuja autoria é atribuída a William Shakespeare, parece adequada para inciar esse texto que fará alusão à morte celular programada; também conhecida como apoptose ou suicídio celular. Trata-se de evento bioquímico que ocorre no nível celular dos organismos multicelulares. É apenas um dos inúmeros eventos celulares sobre os quais não temos capacidade de gestão e que são fundamentais para a integridade dos sistemas orgânicos.


Para um individuo com formação no campo das ciências naturais não é confuso compreender que o corpo humano é constituído de centenas de tipos de células, todas originárias de um óvulo fertilizado. Sabemos, assim, que durante o processo de embriogênese e o período fetal, o número de células cresce vertiginosamente e, posteriormente, elas amadurecem e especializam-se para constituir os vários tecidos e órgãos que formam o corpo. No entanto, muitas células também surgem na fase adulta do organismo. Assim, tanto a geração de novas células como a morte celular são processos fisiológicos, tanto no feto quanto no adulto, mantendo a quantidade apropriada de células nos tecidos. Essa delicada eliminação controlada de células denomina-se apoptose ou morte celular programada ou suicídio celular.

Membranas interdigitais de pés humanos em formação
e que são removidas mediante apoptose.
Há células que morrem porque estão doentes. Porém, como dissemos, células saudáveis são sacrificadas em benefício do organismo. Um exemplo elucidativo ocorre durante a formação das nossas mãos pois, para que se formem corretamente, células saudáveis precisam morrer para possibilitar a definição de contorno que dá funcionalidade aos dedos. A programação de morte de células saudáveis também é comum nos organismos cujo desenvolvimento envolve metamorfose a exemplo da regressão da cauda do girino para torna-se sapo adulto.

Um passo importante para a compreensão dos mecanismos biológicos da regulação da morte celular programada foi dado pelos cientistas Sydney Brenner (Britânico), Robert Horvitz (Americano) e John E. Sulston (Britânico). Utilizando como modelo experimental o nematódeo Caenorhabditis elegans (C. elegans) os pesquisadores realizaram descobertas fundamentais sobre a regulação genética do desenvolvimento dos órgãos e do suicídio celular, mediante acompanhamento da divisão e diferenciação celulares desde o ovo fertilizado até o animal adulto. Identificaram genes-chave na regulação do desenvolvimento de órgãos e da morte celular programada no modelo experimental e demonstraram que existem genes correspondentes em espécies mais complexas como o homem.

Sydney Brenner atua no The Molecular Sciences Institute, em Berkeley, Califórnia e definiu que o Caenorhabditis elegans era uma boa espécie para servir de modelo experimental de organismo. A partir dos estudos foi possível descobrir que ao longo do desenvolvimento o verme acumulava 1.090 células somáticas, das quais 131 morriam, sobrando 959 no final. Trata-se de animal multicelular, relativamente simples, microscópico e transparente, que pode ser facilmente observado em microscópio durante seu desenvolvimento. Sendo contemporâneo à descoberta da estrutura do DNA, Brenner decidiu dedicar-se à tentativa de desenvolver um sistema biológico que possibilitasse visualizar a relação entre genes e proteínas no desenvolvimento dos tecidos e dos órgãos, desde a fase embrionária. Em 1974 demonstrou que mutações em alguns genes específicos do C. elegans podiam ser induzidas através do uso de um composto químico chamado EMS (Ethyl Methane Sulphonate), e que diferentes mutações poderiam estar relacionadas a genes específicos e a determinados efeitos no desenvolvimento dos órgãos. A utilização de C. elegans possibilitou analisar as relações genéticas entre a divisão celular, a diferenciação e o desenvolvimento dos órgãos mediante acompanhamento direto pela visualização ao microscópio.

John Sulston, do The Wellcome Trust Sanger Institute, de Cambridge, Inglaterra, ampliou o trabalho de Brenner com o C. elegans e desenvolveu técnicas para estudar todas as divisões celulares no referido nemátodo; desde o estágio embrionário à fase adulta. Assim, em 1976, descreveu a linhagem celular para uma parte do desenvolvimento do sistema nervoso do animal e provou que a linhagem é invariável, ou seja, em todos os vermes ocorreriam a divisão e a morte das mesmas células, sempre no mesmo tempo programado. Sulston foi o primeiro a identificar uma mutação num gene envolvido no processo de morte celular.

Esquema de apoptose em C. elegans
Robert Horvitz, por sua vez, atuando no Massachusetts Institute of Technology (Cambridge, EUA) descobriu, mapeou, descreveu e caracterizou os genes (EGL-1, CED-4, CED-3, CED-9) como sendo genes-chave no controle da morte celular em C. elegans e, portanto, responsáveis pela morte 131 células normais ao longo da vida do verme modelo. De acordo com os achados de Horvitz; os três primeiros genes são os indutores à morte. O gene CED-4 ativa o CED-3, que é conhecido também como molécula efetora, conduzindo, assim, à morte. O gene CED-9 é o que impede que o CED-4 ative o CED-3, funcionando dessa forma para aquelas células que não devem morrer. Quando uma célula realmente tem que morrer, é o EGL-1 que entra em ação para evitar que o CED-9 “sequestre” o CED-4.
Esquema de C. elegans; espécie de lombriga que serviu de modelo para os cientistas Sydney Brenner, Robert Horvitz e John Sulston desvendarem mistérios do processo de morte celular programada. 
Com essas descobertas já foi possível verificar que existem genes correspondentes em espécies mais complexas e até no homem. No caso do verme, a molécula executora é só o CED-3, no caso de mamíferos já foram clonadas 14 moléculas que possuem a mesma formação estrutural e funcional. E há uma família de proteases – enzimas que quebram proteínas – chamadas caspases, que podem ser subdivididas em dois grupos: o que é relacionado a processos inflamatórios e um outro relacionado à morte celular programada ou apoptose. As caspases envolvidas no processo de apoptose em mamíferos ainda são subdividas em dois subgrupos, chamadas de iniciadores e executores do processo, o que ilustra a maior complexidade do processo em animais superiores.

O conhecimento da morte celular programada tem ajudado a compreender mecanismos utilizados por alguns vírus e bactérias para invadir células humanas. Também é sabido que no caso da Aids, de doenças neurodegenerativas e do infarte no miocárdio, por exemplo, células são perdidas como um resultado do número excessivo de mortes. Ao contrário, doenças como alguns tipos de câncer são caracterizadas por uma extrema redução no número de mortes celulares, mantendo vivas as que deveriam morrer. Atualmente, a pesquisa sobre morte celular programada é intensa, principalmente no campo da procura pela cura do câncer.

A importâncias dos achados de Sydney Brenner, Robert Horvitz e John E. Sulston é inegável para a pesquisa médica e têm ajudado a esclarecer a patogênese de muitas doenças; motivo pelo qual os cientistas foram agraciados com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia do ano de 2002.


Referências:






Manguezais: a grande maternidade da natureza.

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Vista de Aracaju com resquício de manguezal que margeia a Av. Beira Mar.
Quando algo está desorganizado, bagunçado, caótico, etc, é comum ouvirmos a expressão "Isso aqui tá um mangue!". E esta atribuição pejorativa, deve ter contribuído, em parte, para que historicamente a sociedade atribuísse pouco valor a essa formação vegetal natural que estende ao longo da costa brasileira, numa linha de transição entre a terra e o mar. 

Do ponto de vista biológico, o manguezal é um dos mais ricos ecossistemas terrestres, ou seja, possui elementos não vivos (água, gases atmosféricos, sais minerais, radiação solar) e seres vivos (plantas, animais e microorganismos) que interagem formando um sistema estável e sustentável, imprescindível para a vida marinha. 

A definição de mangue pode ser dada a partir de uma paisagem vista como um mar de lama, onde floresce um tipo de vegetação arbórea que forma imensos bosques ou espalha-se em pequenas faixas às margens dos oceanos, estuários, lagoas e marés, habitados por milhares de espécies de peixes, moluscos, crustáceos e animais microscópicos e, segundo dados oficiais, o Brasil possui cerca de 25.000 km de florestas de manguezais, que vão do Cabo Orange, no extremo norte do Amapá, até o rio Araranguá no litoral de Santa Catarina (figura abaixo).

Os manguezais são um dos ecossistemas mais importantes e ricos do planeta, povoados por muitos animais e plantas exóticas. Abrigam e alimentam a fauna marinha composta por peixes grandes e pequenos, crustáceos, ostras, mariscos e caranguejos que se reproduzem em abundância e se alimentam das raízes nodosas das árvores e de suas folhas gordas, trituram os materiais orgânicos do solo e com suas carapaças e seus esqueletos calcários desempenham importante papel para a estruturação e consolidação do solo, contribuindo para o equilíbrio ecológico. Para a natureza, os mangues podem ser considerados uma espécie de maternidade do mar, da fauna e da flora, e para o homem uma importante fonte de alimento, garantindo a sobrevivência da grande população ribeirinha de pescadores.

Os primeiros registros da existência de manguezais na costa brasileira datam da época do descobrimento do Brasil, em 1500, quando Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei de Portugal, D. Manuel, sobre a exuberante beleza geográfica e a abundante riqueza natural da nova terra conquistada, da gente que nela habitava, da fartura de alimentos que nela havia e da fauna e da flora que nela existiam. Aves como o pelicano, o guará, as garças brancas e azuis, e os colhereiros, também escolhem as florestas dos mangues para se abrigar e viver na época da reprodução.

Além da fundamental função de berçário da vida marinha, o mangue desempenha outras funções primordiais, quais sejam: evitar a destruição do litoral pela fúria do mar em tempo de maré alta; proteger as áreas ribeirinhas dos rios no período das chuvas; filtrar poluentes evitando que produtos tóxicos sejam despejados diretamente no mar e muitas outras formas de proteção ambiental.

Porém, nas últimas décadas, a intervenção humana tem causado prejuízos avassaladores ao meio ambiente. E como todo ecossistema brasileiro, o mangue também tornou-se vítima passiva da degradação ambiental decorrente da pesca e da caça predatórias, desmatamento, assoreamento, erosão, aterramento, lixo urbano, despejos industriais, derramamento de óleo entre outros. A degradação dos mangues vem causando grande desequilíbrio à fauna marinha de toda costa litorânea brasileira, comprovada pela escassez dos estoques naturais de camarões, peixes, lagostas, caranguejos, siris e muitos outros crustáceos e moluscos habitantes dos mangues e, sobretudo, pelo aumento de incidência de ataques de tubarões a banhistas.

Calçadão da Praia Formosa - Bairro 13 de Julho, Aracaju-SE
Aracaju, a exemplo de outras cidades litorâneas, possuía extensas áreas do seu território ocupadas por mangues e sofreu com a degradação dessa importante formação vegetal ao longo do tempo, sob o apelo da especulação imobiliária. Recentemente uma extensa área localizada às margens do rio Sergipe e outrora ocupada por mangue fui urbanizada pelo poder municipal (figura ao lado) e a população passou a usufruir de excelente área de lazer.

Estudos feitos por biólogos e ambientalistas mostram que a chegada dos colonizadores portugueses e a crescente urbanização e ocupação essencialmente predatória dos franceses, espanhóis, holandeses, foi um marco histórico não somente para o processo de colonização mas também para o início da degradação e destruição da biodiversidade do ecossistema brasileiro.

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Fonte: MACHADO, Regina Coeli Vieira. Mangues. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 24 de julho. 2016.



O que há depois da morte?! Para a biologia há vida; muita vida!

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Nota técnica da ABRASCO sobre Aedes aegypti e doenças relacionadas.

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Grupos Temáticos produzem Nota Técnica com reflexões, questionamentos e proposições sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti, com ênfase nos perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas.
Nós, sanitaristas e pesquisadores da Saúde Coletiva que atuamos no GTs de Saúde e Ambiente, de Saúde do Trabalhador, de Vigilância Sanitária e de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), vimos a público porque temos o dever de elaborar reflexões, questionamentos e fazer proposições que possam orientar as políticas públicas na intervenção preventiva frente às epidemias de microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti. Dentre os eventos sanitários clinicamente visíveis, as problemáticas relacionadas às doenças vetoriais surgem como um dos mais importantes eventos sanitários pós Segunda Guerra Mundial.

Como se sabe, foi decisão do Ministério da Saúde (MS) imputar a associação da epidemia de microcefalia à infecção materno-fetal pelo vírus da Zika, supostamente introduzido no Brasil em 2014, no Nordeste brasileiro. Diante da inusitada incidência foi determinado o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, desencadeando a intensificação do controle vetorial do Aedes aegypti, dentro da mesma abordagem utilizada para Dengue, que há cerca 40 anos é realizada sem efetividade para os objetivos pretendidos.

CONTEXTO DO SURGIMENTO DA EPIDEMIA

O quadro sanitário no qual emerge a epidemia de microcefalia deve ser analisado considerando-se os graves problemas que estão presentes na realidade socioambiental em que ocorreram os casos e no modelo operacional de controle vetorial. A distribuição espacial por local de moradia das mães dos recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior nas áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento ambiental inadequado, com provimento de água de forma intermitente, fato que leva essas populações ao armazenamento domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a reprodução do Aedes aegypti, constituindo-se em “criadouros” que não deveriam existir, e que são passíveis de eliminação mecânica.

Alguns fatos que ainda precisam ser questionados e investigados podem justificar a introdução e a disseminação do vírus Zika. É necessário avaliar quais contextos e contingências existiram e aconteceram em 2014 nos locais de aparecimento dos casos de microcefalia. Podemos aventar alguns por saltarem aos olhos, como:

1) Na região Nordeste, em especial na periferia das suas Regiões Metropolitanas, como a de Recife, pode ter havido aumento da degradação ambiental, por existirem nelas todas as condições para a manutenção da alta densidade do Aedes aegypti, pelos baixos indicadores de saneamento ambiental, relacionados ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário, à imensa presença de resíduos sólidos junto aos domicílios e às deficiências de drenagem de águas pluviais. A propósito desta questão, a Revista RADIS Comunicação e Saúde da Fiocruz (n.154, julho 2015) traz uma esclarecedora matéria sobre saneamento ambiental mostrando sua defasagem e os graves problemas ainda não solucionados, o que se agrava pelos indícios de que haverá um retardo de anos no Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSA) com o ajuste fiscal.

2) A utilização continuada de larvicidas químicos na água de beber dessas famílias há mais de 40 anos sem, contudo, implicar na redução do número de casos de doenças provocadas por arbovírus. Em 2014 foi introduzido na água de beber das populações nos domicílios e nas vias públicas um novo larvicida o Pyriproxyfen. Conforme orientação técnica do MS esse larvicida é um análogo do hormônio juvenil ou juvenóide, tendo como mecanismo de ação a inibição do desenvolvimento das características adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa), mantendo-o com aspecto “imaturo” (ninfa ou larva), quer dizer age por desregulação endócrina e é teratogênico e inibe a formação do inseto adulto.

3) A intensificação de processos migratórios pela atração de grandes empreendimentos, cujos trabalhadores passam a viver em condições sanitárias precárias nas periferias dos polos industriais (como o de Suape-PE, com trabalhadores vindos de outras regiões e estados do país e de Pecém-CE, com a presença de milhares de coreanos);

4) A Copa do Mundo de 2014, evento de massa de grande porte, teve uma subsede em Recife (Arena Pernambuco). Instalada no município de São Lourenço da Mata (IDH de 0,614), está em uma região com precárias condições sanitárias. Foi observada a maior concentração dos casos de microcefalia inicialmente notificados (600 casos suspeitos) nessas áreas;

5) Fragilidade da vigilância epidemiológica dos municípios e dos estados no diagnóstico diferencial, na investigação de arboviroses e na diferenciação entomológica;

6) As dificuldades na condução da vigilância da Zika e Chinkungunya, ao tratá-las como “dengue branda”. Frise-se que a capacidade vetorial do Aedes aegypti para transmitir o vírus da Zyka e Chikungunya em nosso meio ainda não está devidamente estudada nem pelos entomologistas em nossos contextos socioambientais. Daí caber indagações: o que fez os casos de dengue se tornar mais graves, se antes era considerada doença benigna desde 1779 até 1950, sem provocar sequela e sem alterações hematológicas, conforme dados da OMS? Como está o sistema imunológico da população diante do modelo químico de controle vetorial e adotadas pelo MS em curso no País há cerca de 30 anos?

AS ESTRATÉGIAS ADOTADAS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE

Apesar das razões e incertezas que estão na determinação da ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que se chama de “enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao mosquito pela repetição do que vem sendo adotado há mais de 40 anos sem sucesso. Chamamos a atenção da sociedade para esta questão. Por quais razões, apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS continua a utilizar a mesma abordagem para o controle do mosquito transmissor do vírus da dengue, doença cuja transmissão depende também de outros elementos? Mesmo desencadeando diversas capacitações para os profissionais de saúde e trabalhando em salas de situação para aprimorar o diagnostico e a notificação de casos das novas doenças virais; permanece sem integração as ações das Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e a Promoção da Saúde. O problema que queremos destacar nesta Nota Técnica de alerta está naessência do modelo de controle vetorial, haja vista a intensificação do uso de larvicidas e adulticidas para o Aedes aegypti, sendo que segundo as orientações adotadas pelo MS desde 2014, retrocede-se à orientação de utilização da técnica Ultra Baixo Volume (UBV) com Malathion a 30% diluído em água, abrangendo todo território nacional.

É preciso também problematizar o uso de produtos químicos numa escala que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioambientais de pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias pela Saúde Pública só interessa aos seus produtores e comerciantes desses venenos. São insumos produzidos por um cartel de negócios muito lucrativo, que atua em todo o mundo e que, mesmo com evidências dos riscos provocados pelos organofosforados e piretroides, dos quais se conhecem tantos efeitos deletérios, têm tido o apoio de agências internacionais de Saúde Pública, como o Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma simples consulta às fichas de segurança química de tais produtos entregues pelas empresas aos órgãos de Saúde Pública mostra que esses produtos, a exemplo do Malathion, são neurotóxicos para o sistema nervoso central e periférico, além de provocarem náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e sintomas de fraqueza muscular, inclusive nas concentrações utilizadas no controle vetorial. Quanto à toxicidade ambiental é recomendado evitar seu uso no meio ambiente, o que não tem sido observado, pois seu lançamento é feito da forma como aqui denunciamos. Tais agências se constituem em instâncias de decisão para a compra e distribuição de venenos para todos os países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU). Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produtoras de agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também tóxica e químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, destacamos, impôs-se também para o controle das doenças vetoriais em Saúde Pública.

As tecnologias de controle químico dos vetores foram introduzidas amplamente no Brasil a partir de 1968, não se podendo desconsiderar que sua origem deve-se às armas químicas de destruição em massa, amplamente utilizadas pelo exército norte-americano, naquela época, na guerra do Vietnã. A adoção da técnica de tratamento por UBV foi uma prática introduzida nesse mesmo período e, não por acaso, um dos primeiros documentos de sua normatização foi elaborado pelo Exército Americano.

Essa mesma lógica já está adotada para oferecer a solução mediante a transgenia e outras biotecnologias imprecisas, duvidosas e perigosas para os ecossistemas, focando a ação apenas no mosquito, sem levar em conta os efeitos em organismos não-alvo. Atenção deve ser dada a empresa inglesa OXITEC nas pesquisas e comercialização do mosquito transgênico, cuja fábrica foi implantada em Campinas-SP em 2013 e que, em 2014, obteve a autorização da CTNBio para comercialização desse Organismo Geneticamente Modificado (OGM), e sobre essa questão a Abrasco publicou Nota Técnica.

O FOCO NO MOSQUITO E AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE HUMANA

O lado invisível dos danos ao ambiente e à saúde humana, decorrentes do uso de produtos químicos no controle vetorial, ainda não foi devidamente estudado ou revelado às populações vulneráveis, incluindo os trabalhadores de Saúde Pública. Seus efeitos nocivos são totalmente desconsiderados tanto no agravamento das viroses, quanto no surgimento de outras patologias tais como: alergias, imunotoxicidade, câncer, distúrbios hormonais, neurotoxicidade, dentre outras.

Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que reduz a causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando as ações na tentativa de eliminar ou reduzir o vetor, o que deve ser substituído, insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais para intervir no contexto socioeconômico e ambiental. Visando eliminar o mosquito a ação orientada pelo MS acaba, também, envenenando seres humanos. Mas isto não é reconhecido: ao contrário, há uma ocultação desses perigos. As vozes oficiais repetem até tornar verdadeiros diversos absurdos como: “As doses de larvicidas são tão baixas e pouco tóxicas que podemos colocar na água de beber, sem perigo”.

Este despreparo também leva a defender que a epidemia é um problema de Saúde Pública que justifica o uso do “fumacê”, mesmo com produtos químicos sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considerado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para os seres humanos.

Assim, na tentativa de eliminar o mosquito estão sendo atingidos os humanos mediante efeitos agudos (de morbimortalidade) e de morte lenta, gradual, invisível e que é ocultada. Além das doenças agudas, as crônicas causadas por tais produtos aparecem a médio e longo prazos, a maioria delas chamadas “idiopáticas”, isto é, de causa indefinida ou desconhecida, que não são diagnosticadas ou se quer investigadas.

Ocorre que em pleno século XXI, no caso das doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, houve mais um complicador em termos de Saúde Pública, pois dois novos vírus entraram em nosso país, para cujas doenças – Chikungunya e Zika – não havia experiência no manejo clínico e nem epidemiológico.

A DENGUE E O SISTEMA DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

O sistema de vigilância epidemiológica da maioria dos serviços de saúde não investigou adequadamente esta nova realidade. Agora, com a tragédia do surgimento dos casos de microcefalia, revela-se este despreparo técnico-gerencial. Historicamente essas questões de Saúde Pública estão imersas em “razões de Estado”, desconhecidas pela maioria da sociedade. Devemos perguntar: que razões são essas? Para tal basta examinar os documentos oficiais do MS sobre controle vetorial.

Neste sentido, é pedagógico examinarmos os documentos orientadores emanados do MS. É o caso, por exemplo, da NOTA TÉCNICA N.º 109/2010 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS de COMBATE à DENGUE, na qual estão bem ilustrados os equívocos que aqui sinalizamos, ou seja, a intensificação do uso da UBV motorizada e costal nos domicílios e nas vias públicas. Nela se reitera os vários absurdos cometidos no controle vetorial do Aedes aegypti e que o MS insiste em manter e ampliar.

O ENVENENAMENTO DA POPULAÇÃO POBRE

No Brasil, a Dengue tornou-se uma doença endêmica com surtos epidêmicos e isto precisa ser assumido de uma vez por todas. Quais são as áreas específicas de maior circulação viral? Justamente aquelas onde habitam as populações mais pobres, que tem piores condições imunológicas e sem saneamento adequado, o que vai se agravar conforme noticias do jornal FOLHA de SÃO PAULO, edição de 11-01-2016. E por que não se divulgam essas vulnerabilidades para a própria população? Acima referida Nota Técnica faz menção à outra, de nº 118/2010, que formula um parâmetro composto, com o que se busca introduzir indicadores ambientais.

Ocorre que o faz apenas para a “delimitação das áreas que necessitam de maior intensificação das ações do combate ao vetor”. Ou seja, a aplicação de veneno (inseticidas e larvicidas) acaba aumentando a nocividade sobre o sistema imune.

A NT 109/2010 informa ainda, que “as ações de controle larvário a serem implementadas estão voltadas, principalmente, para as atividades de redução de fontes criadoras do mosquito (caixas d’água, depósitos diversos, pneus, entre outros)”. Ao assim proceder, admite-se que caixa d´água seja criadouro de mosquito e, portanto, deve ser “tratada” com veneno. Ocorre que a água de beber deve ter sua potabilidade garantida. Por que as ações não incidem na limpeza e na proteção dos reservatórios destinados a armazenar o líquido mais precioso para a vida? Como é possível aceitar a perda da potabilidade da água destinada aos mais pobres? Sim aos mais pobres, justamente aqueles que têm a maior vulnerabilidade. Que equidade é essa na qual aqueles que deveriam ser os mais protegidos e são, paradoxalmente, os mais expostos às situações de nocividade química por quem deveria protegê-los? A alegação de que a população é passiva também decorre desse modelo vertical e autoritário. Prioriza-se a potência do veneno contra os insetos desconsiderando o perigo aos seres humanos e, assim, nada mais precisa ser feito.

Ainda na NT 109/2010 o MS advoga que o sucesso do controle de doenças transmitidas por vetores possa ser atribuído aos agrotóxicos, quando cita como referência para sua justificativa nesse documento a “National Academy of Sciences, National Research Council. Pesticides in the Diets of Infants and Children. National Academy Press, Washington”. Ressaltamos que o MS é a autoridade máxima em saúde e deveria se pautar pelo princípio da precaução quando se coloca o tema relacionado às exposições humanas a produtos químicos perigosos.

Também nela se lê que em razão do crescente agravamento do processo de resistência de mosquitos aos inseticidas, uma das principais missões do Comitê de Especialistas em Praguicidas da OMS (WHOPES) é encontrar novos biocidas para os quais não haja insetos resistentes, não havendo qualquer abertura para outros métodos, não perigosos, de controle. É fato bem demonstrado que a resistência adquirida pelo mosquito está a demonstrar a insustentabilidade do modelo químico-dependente de controle vetorial, pois já é sabido há muitos anos que os venenos desenvolvem e/ou aumentam a frequência de insetos portadores de mecanismos de resistência aos inseticidas e larvicidas, como vem ocorrendo com o Aedes aegypti.

Ademais a NT 109/2010 admite que “todos os inseticidas que se utilizam em saúde pública – por razões de mercado – são produtos originalmente desenvolvidos para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente para uso em saúde”. E cita como parâmetro de sustentação do sucesso da medida, as pesquisas realizadas em Cingapura para avaliar possível impacto da utilização das diversas medidas utilizadas no enfrentamento de uma epidemia de dengue naquele país. Por que não analisar nossas próprias experiências, afinal temos um tempo de controle vetorial de mais de 40 anos. Será que não são edificantes?

MAIS VENENOS, MAIS RESISTÊNCIA, MAIS VENENOS

É utilizado o exemplo do inseticida organofosforado Temephós (conhecido comercialmente como ABATE®), a 1%, introduzido no Brasil em 1968, como larvicida em água potável especialmente no Norte e Nordeste brasileiro, cujos impactos na saúde das populações não foram estudados. Sabemos que apesar da constatação da resistência do mosquito o MS continuou a utilizá-lo até o esgotamento de seu estoque, a despeito de ter sido demonstrado a resistência nos insetos alvo e a farta informação toxicológica dos potenciais riscos para a saúde humana.

A continuidade da adição de outros larvicidas substitutos na água de beber das pessoas se dá até hoje sem qualquer preocupação sobre sua concentração final, pois por orientação das normas do MS é indicada a diluição dos larvicidas apenas considerando o volume físico do recipiente e não pela quantidade interna de água no recipiente. Em 1998, um alerta formal sobre este erro de diluição foi feito por químicos, médicos e engenheiros sanitaristas reconhecidos, mas nada mudou! Teimosamente, até hoje os documentos oficiais do MS recomendam a adição do larvicida nas caixas d’água considerando apenas o volume físico e não a quantidade de água que de fato existe em seu interior.

Um fato agravante é que em Pernambuco e outras regiões do Nordeste há racionamento frequente de água. Diante disso, cabe indagar: há quanto tempo o povo dessas regiões bebe água envenenada? De forma não cuidadosa e com falta de precaução, a introdução dos larvicidas classificados como reguladores de crescimento de insetos (IGR) dá-se mediante Notas Técnicas ainda mais abusivas no que se refere a “despotabilização” da água de beber.

Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir porque o MS admite e defende esse modelo. Por trás disso estão a OMS e OPAS com o peso institucional de seus comitês de “pesticidas” que não dialogam com os comitês: ambiental, de saneamento e de promoção da saúde. Naqueles comitês internacionais, os que fazem a prescrição do uso e a regulação da compra dos insumos de controle vetorial para o mundo são imperiais. São tais organismos que convencem e dão o aval aos processos licitatórios dos governos nacionais.

Os larvicidas reguladores de crescimento como o Diflubenzuron e Novaluron, introduzidos no lugar do Temephós, mostram-se problemáticos. Em Recife, foi realizado estudo de efeito sobre a saúde dos trabalhadores que os aplicam constatou-se a ocorrência de metahemoglobinemia; também se sabe que seus metabólitos têm diversos efeitos tóxicos, e que não são considerados. Tais resultados foram amplamente divulgados no II Seminário da Rede Dengue da Fiocruz em novembro de 2010, na cidade do Rio de Janeiro; no Primeiro Simpósio de Saúde e Ambiente em 2010, realizado na cidade de Belém e no 10º. Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva em 2012, na cidade de Porto Alegre.

Com sua política centralizadora, os setores do MS responsáveis pelo controle vetorial contraindicam que os municípios adotem outros meios independentes do uso químico. Mesmo diante da constatação da ineficácia do modelo utilizado. Os municípios gastam inutilmente seus parcos recursos em produtos químicos perigosos e fazem os trabalhadores da saúde atuarem apenas nesse ponto, expondo-os ainda aos venenos.

Insistindo nessa estratégia, houve, em 2014, a introdução do larvicida Pyriproxyfen, e mesmo sabendo-se de sua toxicidade como teratogênico e de desregulação endócrina para o mosquito, foi considerado de baixa toxicidade. E, mais uma vez, o MS recomenda o seu uso em água potável, para ser adicionado nos reservatórios e caixas de água, independentemente da quantidade de água no seu interior, tornando a concentração mais elevada quando em situações de racionamento de água.

Diante de produtos que têm efeito teratogênico em artrópodes, o que pelas normatizações para registro de agrotóxicos seria vedado seu uso na agricultura, por razões de segurança alimentar, perguntamos como aceitar o uso em água potável destinado ao consumo humano? O que dizer desse uso em um contexto epidêmico de má formação fetal? No estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recentemente decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está sendo preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas que distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste. Alertamos que esta é a mais recente medida sanitária absurda e imprudente imposta pelos gestores do modelo químico de controle vetorial.

Embora a NT 109/2010 reconheça que “A inserção de ações intersetoriais, tais como o abastecimento regular de água e coleta de resíduos sólidos, constitui-se em uma atividade fundamental para impactar na redução da densidade do vetor Aedes aegypti”, pouco se propõe nesse sentido. Insistimos na pergunta: por que é mantido o controle vetorial centrado em um programa que há mais de 40 anos vem mostrando ineficácia e ineficiência para fazê-lo? Impõe-se, pois, uma estratégia centrada na identificação e eliminação dos criadouros e no Saneamento Ambiental. O que de fato está sendo feito para o abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que apesar de muitas cidades terem coleta de lixo regular ainda se observa uma quantidade enorme de resíduos sólidos diariamente dispostos no ambiente? O que está sendo feito para cuidar desta questão? E a drenagem urbana de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?

Merece ainda destaque a NT 109/2010, quando afirma que “o maior problema reside nos “adulticidas espacial e residual”, lamentando que os venenos disponíveis estejam restritos apenas aos “grupos dos organofosforados e piretróides. Nos organofosforados a oferta restringe-se ao Malathion (espacial) e o Fenitrothion (residual)”. Esclarecemos que a menção ao termo “espacial” se refere a uso em nebulizadores (Ultra Baixo Volume – UBV, conhecido como “fumacê”, ou por equipamento costal). Dos venenos acima referidos, sabe-se, como já dito, que o Malathion é um potente cancerígeno para animais e, recentemente, foi reconhecido como potencialmente cancerígeno para humanos pela IARC da OMS. Vale o destaque, de que diversos produtos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypty como o Fenitrothion, Malathion e Temephós vem sendo estudados desde 1998, no Departamento de Química Fundamental da UFPE e mostram ter efeitos potencialmente carcinogênicos para humanos. As recomendações pelo MS do uso de Malathion encontram-se no documento Recomendações sobre o uso de Malathion Emulsão Aquosa-EA 44% para o controle de Aedes aegypti em aplicações espaciais a Ultra Baixo Volume UBV, de 2014. Com a adoção dessas nebulizações o envenenamento é potencialmente, ainda mais amplo e perigoso.

Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos de falta de compreensão dos processos de determinação socioambiental e de cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos vetores, aos quais se somam os interesses nacionais e internacionais estranhos às questões de saúde públicas e relacionadas às agendas de consumo dos agrotóxicos.

ONDE FICA O SANEAMENTO AMBIENTAL?

Uma pergunta que não quer calar precisa ser aqui posta com total indignação: por que não foram priorizadas até agora as ações de saneamento ambiental, estratégia que parece ficar ainda mais distante?

A propósito, se visitarmos as periferias das grandes cidades e as chamadas zonas especiais socialmente vulneráveis, onde as carências são de toda ordem, ver-se-á um quadro sanitário tão grave que nenhuma quantidade de veneno poderá resolver o controle vetorial, ao que acresce o fato de que as pessoas terão sua saúde gravemente comprometida.

As políticas urbanas e de saneamento são, em geral, desarticuladas. As precárias condições de moradia, de urbanização e de saneamento ambiental, contexto característico da grande maioria dos casos de microcefalia, refletem um modelo de desenvolvimento e de políticas urbanas que atinge aos pobres, já vulnerabilizados historicamente pela abissal desigualdade social brasileira. Habitações sem condições para adequado armazenamento de água domiciliar, localizadas em áreas íngremes ou alagadas, com precária infraestrutura e urbanização e com serviços de saneamento precários. Um contexto que reflete a mazela social que destina melhor infraestrutura e melhores serviços para as classes média e alta. O exemplo da desigualdade no acesso à água potável no Brasil é emblemático dessa assimetria de acesso. O consumo per capita pode variar em uma cidade de 30 a 500 litros/hab.dia. Uma das expressões dessa desigualdade é no rodízio semanal do acesso ou na intermitência do abastecimento de água. A grande maioria de casos de microcefalia ocorreu em cidades com problemas sérios de rodízios ou intermitência, onde os mais pobres ficam mais dias sem água por semana e os mais ricos ou não tem rodízio ou intermitência ou os tem por poucos dias. A crise hídrica e a má gestão dos serviços de saneamento também tem imposto o rodízio ou intermitência a cidades inteiras, e mesmo o colapso no abastecimento, cenário de muitos casos de microcefalia no Nordeste.

Diante da inoperância dos métodos de controle do Aedes aegypti, a gravidade da situação se aprofunda. Em Pernambuco a Secretaria de Estado da Saúde (SES) notificou ao MS, em 28 de outubro de 2015, a existência de 29 casos de microcefalia naquele ano, até então mais do que o dobro do que vinha ocorrendo nos anos anteriores. Destaca-se que apenas 07 estados tinham a prática de notificação obrigatória de má-formação congênita. Em dezembro de 2015 constatava-se que 14 estados estavam com prevalência de microcefalia elevada. A proporção de novos casos em Pernambuco tornou-se assustadora. No dia 18 de novembro de 2015, o MS decreta o estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, situação que apenas fora adotada em 1917, com a ocorrência de Gripe Espanhola. Conforme noticiado pelo Diário de Pernambuco, em 20/01/2016, o número de casos suspeitos de microcefalia subiu para 3.893. Os registros foram feitos em 764 municípios, distribuídos em 21 unidades da federação. Até essa data, foram notificadas 49 mortes provocadas por essa má-formação. Do total desses óbitos, 05 tiveram confirmadas a presença do vírus Zika. Embora sabemos que, em uma situação de exposição materna ao vírus, e este ultrapassando a barreira placentária, é esperado que o feto também se exponha. Neste campo ainda há muitas questões em processo de pesquisa. Segundo informações do MS, Pernambuco continua a ser o Estado com o maior número de casos suspeitos (1.306), o que representa 33% do total registrado em todo o país.

Deve-se alertar e assinalar que a entrada no Brasil do vírus Zika não foi acompanhada de um conhecimento da sua dispersão pela vigilância epidemiológica e entomológica. Uma série de medidas, todas centradas na prática do uso de venenos foi intensificada, a partir da aceitação de relação direta entre microcefalia e Zika vírus. Como aditivo temos a recomendação para gestantes de uso de repelente. Com isso o DEET (N,N-dimetil-meta-toluamida) vem sendo comercializado sem restrição para mulheres grávidas, outra banalização de exposição química.

O quadro de crise epidemiológica das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti é ainda mais grave e aqui é importante dizer que no Brasil, entre 2014 e 2015, ocorreram cerca de 1,5 milhão de casos, a metade no estado de São Paulo. Porque nesse estado, onde ocorrem periodicamente epidemias de Dengue, que anteriormente registrava pouquíssimos óbitos, e que, nesse período, houve inusitadamente mais de 400 mortes associadas a complicações de Dengue? Será que tal fato tem relação com a informação de que, em São Paulo, vem se intensificando o controle vetorial com uso de Malathion em nebulização química? Esse veneno é utilizado desde 2001, a 30% na formulação final, em processo de nebulização, pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), sendo que no segundo semestre de 2014, foi introduzida pelo MS uma nova formulação de Malathion diluído em água, contendo emulsificantes e estabelizantes não declarados. A justificativa dessa substituição foi o seu menor custo. Será que pode haver alguma associação entre a exposição ao Malathion e essa mortalidade considerada tão aumentada por complicações da Dengue? Quem são esses que morreram? São idosos, portadores de doenças crônicas, crianças? É preciso saber mais. A população exposta ao Malathion foi investigada? A possibilidade de essas mortes estarem associadas à exposição ao Malathion foi aventada e pesquisada? Salientamos que devido ao uso massivo e contínuo de substância tão tóxica essa investigação precisa ser realizada.


FINALIZANDO, REIVINDICAMOS DAS AUTORIDADES COMPETENTES A ADOÇÃO DAS MEDIDAS A SEGUIR:

1) Imediata revisão do modelo de controle vetorial. O foco deve ser a ELIMINAÇÃO DO CRIADOURO e não o mosquito como centro da ação; com a suspensão do uso de produtos químicos e adoção de métodos mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. Nos reservatórios de água de beber utilizar medidas de limpeza e proteção da qualidade da água e garantia de sua potabilidade;

2) Nas campanhas de Saúde Pública para controle de Aedes aegypti, imediata suspensão do uso de Malathion ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados com veneno (mosquiteiros impregnados). Substituir o uso desses produtos por barreiras mecânicas, limpeza, aspiração, telagem de janelas, portas entre outras medidas;

3) Nas medidas adotadas pelo MS para controle de Aedes aegypti em suas formas larva e adulto,imediata suspensão do Pyriproxyfen (0,5 G) e de todos os inibidores de crescimento como o Diflubenzuron e o Novaluron, ou qualquer outro produto químico ou biológico em água potável. O conceito de potabilidade da água não pode ser perdido, ele é a chave para as medidas participativas de eliminação de vetores.

4) Que sejam realizados esforços intersetoriais para a acabar com a intermitência do abastecimento de água nas áreas de urbanização precária. Água é um direito humano. As populações mais vulneráveis devem, por equidade, serem as mais protegidas;

5) Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambiental municipais, estaduais e nacional e não só do SUS, que deve atuar na vigilância entomológica, sanitária, ambiental, epidemiológica, virológica e da saúde do trabalhador, aferindo se as medidas de saneamento ambiental estão resultando em melhoria das condições de saúde;

6) Que as políticas urbanas e de saneamento ambiental promovam programas integrados para a resolução dos problemas de moradia, saneamento e urbanização;

7) Que a vigilância epidemiológica seja realizada por profissionais experientes em clínica, fisiopatologia e epidemiologia, em diversos níveis do SUS. Esta proposição se dá no fortalecimento da integração e atuação articuladas das áreas de vigilância da saúde com as áreas de produção de conhecimentos.

8) Que sejam realizadas pesquisas clínicas e informadas outras disfunções ou malformações relativas as viroses da Dengue, da Zika e da Chincungunya e que sejam estudados os efeitos da exposição a produtos químicos utilizados no controle vetorial do Aedes aegypti;

9) Que o amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia se dê mediante uma política pública perene e não transitória. Que esse apoio seja integral, incluindo neste atenção a família pelo trauma psíquico decorrente desse desfecho gestacional.

10) Que seja realizada uma auditoria nos modelos de controle vetorial por uma comissão multidisciplinar de especialistas independentes, incluindo avaliação do modos operandos do Fundo Rotatório da OPAS/OMS a ser solicitado pelo governo brasileiro, quiçá em conjunto com outros países latino-americanos que sofrem as mesmas imposições, à Organização da Nações Unidas;

12) Que seja ratificada a imediata elaboração pelo Ministério da Saúde de orientações técnicas para a Atenção à Saúde dos Trabalhadores da Saúde que NO PASSADO se expuseram aos agrotóxicos utilizados no controle do Aedes aegypti, a serem adotadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, em acordo com a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e com experiência exitosas;

13) Que seja criado, pelo MS, um Portal para acesso amplo da população a todos processos e fatos associados ao controle vetorial, às epidemias relacionadas à ação do Aedes aegypti e a epidemia de microcefalia. Nele deve também ser informado quando utilizados, o volume, os tipos de produtos químicos, o número de domicílios e imóveis nebulizados, por Unidade da Federação e por município, pois são do maior interesse dos profissionais de saúde e da sociedade.

Por fim, chamamos atenção da sociedade civil, diante da atual declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para epidemia de microcefalia e arboviroses, que: a) todas as medidas de controle vetorial sejam realizadas com mobilização social no sentido da proteção e respeito da cidadania pela Saúde Pública, priorizando-se as medidas de saneamento ambiental, com garantia da potabilidade da água de beber, como parte do respeito aos Direitos Humanos e orientados pelos princípios da Política Nacional de Educação Popular em Saúde; b) que o SUS deve rever as estratégias e conteúdos da comunicação social à população, tirando o foco na responsabilidade individual e das famílias, explicitando as responsabilidades dos diversos setores estatais, com ênfase na importância das medidas de saneamento, coleta de resíduos, cumprimentos das políticas de resíduos sólidos, garantia de abastecimento de água; e c) melhoria da qualidade da assistência às famílias e às crianças acometidas e da atenção pré-natal, pois se agrava a fragilidade observada que já era conhecida – a exemplo dos casos de sífilis congênita – e que se comprova com a ocorrência de casos de microcefalia identificados após o parto.


Grupos Temáticos da Abrasco:

GT de Saúde e Ambiente,

GT de Saúde do Trabalhador,

GT de Vigilância Sanitária,

GT de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável e

GT Educação Popular e Saúde.

Fonte:
https://www.abrasco.org.br/site/2016/02/nota-tecnica-sobre-microcefalia-e-doencas-vetoriais-relacionadas-ao-aedes-aegypti-os-perigos-das-abordagens-com-larvicidas-e-nebulizacoes-quimicas-fumace/


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